ÍNTEGRA
Wedson Rocha. Íntegra. Convivendo com a atXIA
Wedson Rocha. Íntegra. Convivendo com a ataxia. Locução: João Moita.Primeira parte.
Posted by Ataxia Juntos venceremos on Terça, 8 de dezembro de 2015
Meu nome é Wedson Rocha de Oliveira. Tenho quarenta anos, nasci
em 19 de maio de 1975, as 17:45h, no Hospital Bom Jesus na cidade de
Congonhas-MG. Sou portador de ataxia chamada DMJ – Doença Machado de Joseph,
que foi descoberta nos Açores, em duas famílias, uma chamada de Joseph e outra Machado,
que deu o nome à doença: Machado de Joseph.
No meu caso, a ataxia é hereditária, veio da família do meu
pai. Minha bisavó teve, meu avô teve, meu pai e duas tias: José Rocha (Juca),
tia Maria e tia Laura (Fiinha). Já falaceram. Eu e meu irmão temos.
Na família do meu pai, são cinco pessoas: dois homens e três
mulheres, onde um dos homens teve. Este homem é meu pai, chamado José Rocha de
Oliveira. E suas irmãs Laura Rocha de Oliveira e Maria da Conceição Rocha de
Oliveira. E os dois irmãos que não tiveram são meu tio Antonio Laurindo Rocha
de Oliveira e minha tia Olaura Rocha de Jesus.
A história da ataxia na minha família começou com minha
bisavó, até onde se sabe. A minha história com DMJ começou quando eu tinha vinte
anos.
Eu era jogador de futebol, goleiro. Eu era bom no gol. Pelo
menos era o que o pessoal falava. Aos 18 anos, eu jogava no melhor time da
cidade e o mais rico também. Na cidade de Congonhas, o time era chamado de
CordeVar porque era de uma empreiteira chamada Cordeiros e Vargas, por isso o
nome.
Eu comecei a namorar uma moça chamada J.K., e ela morava
próximo à Companhia Nacional, o distrito de Plataforma.
Foi então que eu comecei a jogar pelo time mais pobre e pior .
Nós ficamos entre os oitos, no meu primeiro
ano como titular de um clube amador, campeonato
regional.
A minha estrela estava subindo. No ano seguinte, eu já com 19
anos, joguei novamente e ficamos em quarto lugar. Nesta ocasião, já tínhamos
melhores jogadores e um plantel mais completo. No próximo ano, eu com vinte
anos, já era a estrela do time.
Foi quando eu comecei a apresentar a síndrome. Mas foi muito
branda . Os sintomas foram chegando bem devagar.
Nós jogávamos futebol aos domingos.
Sempre às segundas, quando encontrava alguém da cidade ou do
time, me perguntavam:
- E aí? Você se machucou no jogo? E eu dizia que não havia me
machucado.
Eu já mancava e não percebia. Um dia um amigo meu me falou
que eu estava mancando. Eu comecei a me observar caminhando quando passava em
frente aos bancos com vidros ou na vitrine das lojas. Eu olhei meu reflexo e vi
que realmente estava mancando.
Daí em diante, quando me perguntavam se eu havia me
machucado, eu respondia que sim, mas que era passageiro. Que não me
impossibilitava de ir ao jogo.
Nós jogamos o campeonato deste ano, e ficamos em quarto lugar.
No outro ano, eu terminei o namoro e voltei pra minha casa - modo de falar- voltei para o bairro onde eu morava e para o
clube também. Esse clube era chamado Praiano. Eu comecei a treinar lá, mas não
gostei do time, do ambiente, e fui jogar num time chamado Itacolomy.
Saí por causa de uma briga que houve entre jogadores e
torcida, time do Praiano e time do Carijós, que era o da cidade vizinha de Belo
Vale. Mesmo assim, quando o campeonato terminou, estávamos em primeiro lugar.
Após uma passagem por algumas empresas como eletricista,
contra mestre e encarregado, tive minha vitória ou pelo menos o que achava ser
uma...
Na Vale do Rio Doce, eu fui técnico de projetos. Na verdade,
era Ferteco Mineração S/A uma empresa multinacional de alemães. Porém, a Vale havia
comprado. Trabalhei lá um ano e um mês. Foi quando a minha situação física
ficou mais debilitada. Consegui telefones de alguns médicos. Como eu tinha um
plano de saúde bom, eu fui a dois médicos em Belo Horizonte, e somente um
deles, Dr E. C., me disse que eu tinha uma ataxia. Que existem vários tipos de
ataxia e ele ia ter que estudar um pouco mais pra ver qual era o meu tipo. Foi
quando comecei a sentir dores nas pernas.
Marquei uma eletroneuromiografia na cidade de Ouro Branco, na
Fundação Ouro Branco. Então fui recebido no consultório por um médico de trinta
e poucos anos aproximadamente. Ele me olhou entrando e perguntou:
- O que vc tem?
- Eu tenho um problema de coordenação, eu não consigo andar
em linha reta, eu disse. Ele perguntou se mais alguém da família tinha. Eu
relatei para ele o histórico familiar. Meu pai, meu avô, minha bisavó, eu e meu
irmão, minhas duas tias, todos tínhamos, mas sem diagnóstico. Dizia-se que
havia uma “doença nas pernas”. Eu disse que, além de mancar, eu sentia dores
nos joelhos. Ele me examinou e, no final do exame, ele me disse:
- A sua síndrome , eu só não vou diagnosticar como doença Machado
Joseph, porque precisa de um exame.
Fiquei surpreso e até
mesmo desconfiado. Por quê? Por que eu fiquei desconfiado? Eu não tinha ido ali
pra ele me examinar, embora ele fosse neurologista, eu tinha ido fazer um
exame. E também por ele ser muito novo, desconfiei. Confesso que foi um pouco
de preconceito da minha parte. Mas, quando ele acabou de me falar, eu
perguntei:
- O senhor é de onde?
Ele disse que era de Conselheiro Lafaiete, que havia se
formado na UFMG.
- O senhor atende em Conselheiro Lafaiete ou só aqui?
Ele relata:
- Eu atendo aqui e tenho um consultório em Conselheiro
Lafaiete.
Eu perguntei se ele podia me dar um cartão para eu marcar uma
consulta. Ele disse:
- Infelizmente, hoje é o último dia em que eu trabalho aqui,
porque amanhã, sábado, eu vou para Brasília porque vou fazer meu doutorado lá,
mas eu deixo com vc o nome de um médico. Se ele não descobrir, ninguém mais
descobrirá. Ele é o melhor da região. É o bambambam na neurologia. O nome dele
é Francisco Cardoso. Ele atende particular. O telefone dele está aqui.
Eu liguei e perguntei à enfermeira se ele atendia por
convênio. Ela falou que não. Eu perguntei o valor da consulta. Ela virou e me
disse:
- Trezentos e cinquenta reais.
Eu quase caí pra trás. Por quê? Estávamos em 2003, fevereiro
de 2003. Imagina quanto era trezentos e cinquenta reais naquela época.
- Ele tem hora pra quando? Perguntei.
- Para final de julho.
Nós estávamos em início de fevereiro. Eu disse:
- Então marca.
Eu sempre achei melhor desmarcar do que ter que marcar uma
data mais pra frente depois.
Chegando dia 26 de julho aproximadamente, a secretária ligou,
avisando que o médico não poderia atender porque havia sido convidado para ser
palestrante numa conferencia nos Estados Unidos. Só teria horário no início de
agosto. Então tá. Marcamos para o dia 5 de agosto.
Eu fui à consulta, paguei 350 reais por ela. O médico me
disse:
- Tenho tristes notícias para você. Noventa e nove por cento
de chance de você estar com a doença chamada Machado de Joseph. Para me
certificar, vou te pedir um exame de DNA.
- Onde eu faço?
- No Hermes Pardine.
Eu saí dali e fui direto fazer o exame. Mais 200 reais.Tive
que comprar remédios. Mais 50 reais.
Num único dia eu gastei 600 reais, fora as passagens.
Hoje, olhando para trás, vejo que foi um belo investimento.
Voltei em 15 dias , com o exame, ele pegou, olhou o exame e
me disse:
- Eu tenho a notícia do seu exame. Eu falei:
- Pode falar.
Ele disse que eu tinha uma doença degenerativa, incurável e
progressiva. Que o que eu havia perdido não ia recuperar. E explicou do que se
tratava a doença.
Eu sorri.
Ele disse:
- Acho que você não entendeu. Eu disse:
- Eu entendi.
- Cem por cento dos meus pacientes saem daqui chorando ou
gritando.
Eu disse:
- Doutor, é muito simples. Agora eu conheço a minha
limitação. Eu sei o que tenho, sei o que vou fazer e o que não vou fazer. Eu
sei o que eu poderei almejar para o futuro e o que não poderei. E eu sei que eu
não poderei ser jogador de futebol, mas eu poderei trabalhar com computação. A
minha alegria é porque descobriu-se
uma coisa que até então na família
ninguém sabia. Isso pra mim é uma vitória porque em vez de eu gastar dinheiro
em outro médico, eu posso gastar o dinheiro comigo mesmo. Visto que o senhor
disse que não tem cura.
Ele me disse existem tratamentos alternativos tais como:
Fisioterapia, Fonodiologia, pilates, exercícios físicos em geral. Não vão lhe
curar, mas amenizar e lhe conceder uma melhor qualidade de vida.
Eu sorri e ele balançava a cabeça, sem entender minha
alegria.
Eu saí do consultório, mas não saí derrotado, eu saí com o meu
primeiro dever cumprido, que era descobrir a síndrome , a raiz, lá no fundo, o
que nós realmente tínhamos, ou não tínhamos.
As pessoas eram preconceituosas com a nossa doença.
Uma coisa que eu aprendi foi a viver com a ataxia, a conviver
diariamente com ela.
Ela já me levou a possibilidade de ser um jogador de futebol,
já me levou a possibilidade de ser pai, já me levou a possibilidade... mas não
me levou nem vai me levar o prazer de viver, a alegria de viver, a alegria de
estar neste mundo, a alegria de fazer as pessoas alegres, de motivar as
pessoas, de conseguir ser uma pessoa melhor, uma pessoa com limitações, mas nunca limitada, uma pessoa feliz.
Para resumir o que eu sou: uma pessoa otimista. Uma palavra
pra definir o que eu preciso? Eu não preciso de nada porque eu tenho um Deus
que me dá tudo, mesmo sem eu pedir, mesmo sem eu merecer. De todas estas coisas
que a doença me levou, ela não me levou o prazer de viver. Eu vivo cada dia
como se fosse o meu primeiro dia de vida, não como se fosse o último, porque só
assim eu consigo ter esperanças, alegrias, sonhos. O que é essa doença me levou?
Não me levou nem um por cento do que eu ainda posso fazer, nem um por cento do
que eu sou.
Pra não perder o foco. Em maio de 2006 eu me casei. Comecei a
namorar oito meses antes, em agosto de 2005. E me casei em maio de 2006, com uma pessoa maravilhosa
que se chama Josiane. Ficamos casados durante cinco anos e dez meses.
Em março de 2012 nós
nos divorciamos, porque quando nos casamos eu andava sozinho. Com o passar do ano eu fui me
debilitando e comecei a andar de
muletas, daí eu parei de dar aulas de autoCAD e já não conseguia me locomover
direito.
Foi quando a Josiane começou a entrar em depressão. Eu, como
homem, resolvi me divorciar dela. Eu a liberei para ela viver a sua vida sem
mim. Eu falei com ela:
- Josy, antes de você me conhecer eu me chamava Wedson Rocha
de Oliveira. Depois que eu conheci você eu continuei me chamando Wedson Rocha
de Oliveira. E quando nos divorciamos,
eu ainda continuarei sendo o Wedson
Rocha de Oliveira. Eu estou querendo dizer com isso que você não precisa ficar
casada comigo por causa da doença. Eu sou homem suficiente pra viver sozinho. Eu
sabia de tudo o que poderia me acontecer. Imaginem como foi para ela, que nem
se interessou em conhecer a doença, uma coisa ela sempre me dizia: - Eu vou
sempre lhe tratar como uma pessoa eficiente e lhe proteger como meu "bebê".
Eu via que ela estava sofrendo ao meu lado e, por amar demais, decidi tomar esta
posição.
Foi difícil, mas vi que foi a decisão acertada. As pessoas
não acreditavam, principalmente pelo carinho que ela tinha comigo. Até quando
fomos ao advogado, amigo meu ele disse NÃO É POSSÍVEL. A Josy me chamava
de VIDA.
Daí nos divorciamos. Eu fui logo chamado para o Hospital Sara
Kubitschek, uma semana após o divórcio, e fiquei no Sara trinta dias. E eu e
meu primo falecido, Hugo Rocha de Oliveira. Que não faleceu por causa da
doença.
De lá pra cá eu vivo sozinho, na minha casa. Em janeiro do
ano passado, eu fui aprovado no vestibular de Engenharia Civil, curso esse que
eu cursei até julho deste ano, trancando a faculdade no início do quarto
período. Tranquei porque estava estudando muito, me estressando e não conseguia
tirar notas boas. Foi fruto do meu ensino médio mal feito. Porque eu trabalhava
de turno uma semana do dia e outra da noite ia na escola de vez em quando.
Hoje, meu estado atual: eu vivo caminhando com andador, faço
marketing Multi Nível, numa empresa fantástica chamada Boulevard Monde, onde eu
digo eu sou cem por cento Boulevard.
Hoje eu ocupo a qualificação de executivo safira,que é o
plano de carreira que você se qualifica de acordo com suas vendas ou equipe,
nesta empresa, com ganhos superiores a mil e quinhentos reais por mês. Isso com
quatro meses apenas de empresa.
Tenho uma quitinete de aluguel. Moro em cima da casa do meu
irmão, ao lado, vizinhos, à frente a garagem, e nos fundos, casa da minha mãe.
O lote mede 15 metros de frente por 30 metros de fundos, totalizando 450M².
Minha mãe é meu norte, meu sul, meu oeste e meu leste, ela é
meu tudo.
Ela que cuida da minha casa, ela que cuida da minha roupa,
ela que traz alimentação, ela faz tudo pra mim, e com a maior alegria. Minha
mãe é meu braço forte. Minha mãe chama-se Nair Apolinária de Oliveira.
Meu irmão chama-se Gutenberg Rocha de Oliveira, meu sobrinho
chama-se Miguel Asafe Fonseca Rocha. Ele é o xodó daqui de casa. Graças a Deus, é um menino abençoado, gosta
demais de música, quando vamos à igreja ele gosta de cantar lá na frente, ele é
muito especial.
Termino este depoimento falando que eu sou muito mais feliz,
encontrei muita ajuda onde eu também posso ensinar e aprender com várias
pessoas, no grupo do whatsapp chamado “Juntos
Venceremos”.
Neste grupo, que é um grupo de pessoas com ataxias, nós conversamos
e brincamos. Como disse uma das pessoas do grupo, Adelaide, parece que estamos
numa mesa e todos brincando, uns com os outros. E também nos confortamos, uns
aos outros. Recentemente, a Alessandra Pain organizou um Encontro em Goiânia,
onde nos conhecemos pessoalmente e passamos dias agradáveis com piscina,
bate-papo, bingo, pilates, festa e brincadeiras.
Novas pessoas têm se juntado ao grupo, quase todas assustadas,
porque até então não conheciam ninguém com ataxia.
Quero agradecer primeiramente a Deus, às minhas coroguetes,
que são as coroas misturadas com piriguetes. Minhas coroguetes são a Lili,
Sirlei, Leci e Brisa. Não tem ordem, eu amo todas do fundo do meu coração.
Um beijo a todos, um abraço. O meu conselho é este: Vamos
viver. Sejam felizes. Do jeito que for.
Eu sou feliz e JUNTOS VENCEREMOS!!!
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