DEPOIMENTO SIRLEI DOS SANTOS
BRONZATTI
Eu
me chamo Sirlei dos Santos Bronzatti, tenho cinquenta e oito anos, nasci numa
pequena cidade no interior do RS, Júlio de Castilhos. A cidade não possui
grande infraestrutura, mas é bastante receptiva possui cerca de vinte mil
habitantes.
Quando
eu era mais jovem, ainda somente com o primeiro filho: o Vinícius, aos vinte e
poucos anos, trabalhava em Tupanciretã, outra pequena cidade e vizinha a Júlio
de Castilhos,distante cerca de 45km. Diariamente eu me deslocava, num fusca,
para cumprir meu expediente, meu marido na época trabalhava no Banco do Brasil
em nossa cidade.
(FILHOS)
Possuo
três filhos, dois meninos, o mais velho é o Vinícius, depois veio o Marcel e
uma menina, a caçula Gabriele. O divórcio fez com que eu assumisse os papéis de
pai e mãe, com grande e fundamental ajuda de minha mãe que morava na nossa rua,
três casas abaixo. O divórcio aconteceu por motivo de alcoolismo de meu marido,
não foi possível ajudá-lo, apesar das inúmeras e incansáveis tentativas.
Infelizmente,a solução encontrada para minimizar o sofrimento de toda a
família, principalmente das crianças, foi a separação. Mantive o sobrenome do
ex marido, pois uma de minhas, digamos que “reclamações”, com minha querida
falecida mãe era exatamente em relação ao meu nome, já que não gosto do
primeiro e o sobrenome ficaria “Santos dos Santos” caso eu tirasse o último
adquirido e isso eu não queria.
(FINANÇAS)
Sou
funcionária pública federal, com função administrativa, trabalhei por vários
anos no antigo INAMPS,
hoje INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), na cidade de Júlio de
Castilhos. Na época em que me separei, tive que lutar bastante para manter o
padrão de vida que levávamos e de alguma maneira oferecer uma boa infância e
adolescência aos meus filhos. Financeira e sentimentalmente sempre contei com o
apoio de minha mãe, ela me emprestava valores quando necessário, eu sempre a
pagava e não contava esforços para ajudar na criação das crianças. Logo após a
separação foi um período bastante difícil, tive uma fase depressiva, acabei me
endividando com bancos e lojas e precisei muito do apoio de minha mãe, o que na
época eu mesma nem notava devido ao stress. Para minimizar a falta do salário
do meu ex marido, que não estava mais no Banco do Brasil e, portanto, nunca
teve condições de pagar pensão alimentícia, eu incrementava minha renda do
serviço público com trabalhos manuais, fiz muitos trabalhos em ponto de cruz,
bonecas de pano, houve uma época em que eu e uma prima tentamos abrir um
negócio próprio, mas não durou muito tempo, pois não tínhamos experiência
administrativa no comércio.
(SAÍDA DE CASA DOS FILHOS)
A
cidade de Júlio de Castilhos não possuía curso superior (hoje há na cidade um
Instituto Federal com alguns cursos) e tampouco possibilidade de bons empregos
na iniciativa privada para meus filhos e, por consequência disso, o primeiro a
sair de casa foi meu filho mais velho, o Vinícius. Ele saiu de casa para seu
primeiro emprego na cidade de Santa Maria, onde foi militar por um tempo. Mais
tarde começou a namorar minha nora, que é da cidade de Cruz Alta, onde ele foi
morar e iniciou faculdade de Administração. Os dois casaram em Uberlândia,
Minas Gerais, onde moram atualmente e tiveram o Gabriel, meu netinho lindo de
dois aninhos.
A
próxima a sair de casa foi a caçula, Gabriele. Ela começou um curso técnico em
administração na Universidade Federal de Santa Maria logo no ano em que finalizou
o ensino médio. Ela decidiu por cursar o técnico pois naquele ano não conseguiu
entrar na faculdade e não pretendia permanecer morando em Júlio de Castilhos
por mais um ano. EM 2005, no ano seguinte à mudança, ela iniciou o Curso, no
qual ela hoje é formada, de Engenharia Civil, juntamente a outro técnico, em
Segurança do Trabalho, todos na mesma Universidade (UFSM). Ao morar em Santa
Maria e ocupar o apartamento que era do pai, para fins de estudo e
sobrevivência, seu irmão do meio, o Marcel, resolveu tentar a sorte em empregos
e dividir apartamento com ela, ex namorado dela e amigos. Ele começou seu
primeiro emprego, no Mac Donalds, onde conheceu minha nora, Fabiana e com quem
teve minha primeira neta, a Maria Eduarda, hoje com nove anos. Em meio ao
início dos estudos na faculdade, meus filhos tiveram uma briga feia (Gabbi e
Marcel), foi quando, a pedido de minha filha, decidi morar com eles e meu ex
genro, para tentar apaziguar a situação.
Solicitei
transferência no trabalho, fui cedida ao ministério da saúde, órgão gerido pela
prefeitura municipal e minha mudança para Santa Maria aconteceu no ano de 2005
e foi quando começou a manifestação de minha ataxia. De início eu mesma não
sabia o que eram os sintomas que eu estava enfrentando, só tinha conhecimento
de que era alguma doença hereditária, pois minha avó paterna teve e meu pai também.
(PRIMEIROS SINTOMAS DA ATAXIA)
Em
Santa Maria, eu gostava de ir a pé até meu trabalho, até mesmo para sair do
sedentarismo de alguma forma. Até que numa determinada manhã, dia em que eu
estava com os sintomas da doença bem evidentes, andava cambaleando, mas não
liguei para o fato e continuei meu deslocamento para o trabalho. Até que ouvi
um rapaz qualquer se dirigindo a mim com um comentário do tipo: “Mas a essa
hora da manhã e a senhora já tomou todas?!” (Sugerindo, obviamente, que eu
estava bêbada). No momento que ouvi tamanha besteira, voltei para casa
chorando, envergonhada de minha situação e foi o último dia que fui até meu
trabalho a pé. Decidi afastar-me, solicitando auxílio doença.
Em
2010 minha filha formou-se e foi morar em Porto Alegre, para estagiar. Ficou lá
por mais um ano e meio aproximadamente, em outro emprego. Ela retornou à Santa
Maria para ajudar-me e por questões particulares, na época uma fase bastante
complicada, houve a perda de minha mãe, que para ela significava uma “segunda
mãe”, pois de fato, minha mãe ajudou muito na criação de meus três filhos.
Meu
período em auxílio doença perdurou por três anos com constantes avaliações de
médicos peritos. Consegui me aposentar por tempo de serviço, minha filha e meu
filho do meio ajudaram bastante nas idas aos médicos, tanto particulares quanto
no médico do trabalho para perícias. Nesta época meu filho mais velho já estava
morando em Minas Gerais, Uberlândia, para onde foi em busca de novo emprego,
com sua esposa. A Gabbi morou comigo em parte deste período, trabalhava numa
construtora próxima de nossa residência e ministrava aulas à noite em bairro
distante. Ficou comigo, em Santa Maria, até 2013, ano em que ela passou em
Concurso da Força Aérea Brasileira, e, para assumir a vaga, teria que mudar-se
novamente para Porto Alegre.
No
ano em que a Gabbi mudou-se definitivamente, após o período de treinamento
militar, início de 2014, eu decidi morar em Minas Gerais, próxima ao meu filho
mais velho, nora e neto, para não ficar em uma cidade sozinha, longe de toda a
família, já que meu filho do meio já estava morando com a família em Santa
Catarina e, ainda não estava estabilizado financeiramente. Hoje moro só, em
apartamento próprio. Faço uso cadeira de rodas há aproximadamente dois anos e,
há uns 12 anos esta ataxia começou a manifestar-se com os primeiros tombos,
comecei a caminhar como se estivesse bêbada.
(HISTÓRICO FAMILIAR)
Meu
pai tinha sete irmãos, eram ao todo em oito, portanto. Destes, além dele, dois
irmãos e uma irmã também tiveram a doença, isso dá um total de 50% entre eles,
hoje todos falecidos. Meu pai faleceu sem saber qual era aquela maldita doença
que o levou ao final da vida em cima de uma cadeira de rodas e depois, somente
ficava na cama, sendo minha mãe uma santa que esteve ao lado dando todo o
suporte o tempo todo, até o término da vida de meu pai aos seus 64 anos, sem
diagnóstico correto.
Hoje
sabemos que a doença de meu pai tratava-se de uma Ataxia, especificamente a
“Doença de Machado Joseph”. Em meu histórico familiar da doença, além dos tios
e pai, tenho uma única irmã três anos mais velha que eu e três primas (uma já
falecida) com a mesma Ataxia.
(DESFECHO)
Os
trabalhos manuais que eu fazia, além de acrescentarem renda mensal, serviam
para minha distração, eram hobbies, que aos poucos tiveram que ser deixados de
fazer, devido à doença. Além, é claro de outras privações que fui absorvendo
com o decorrer do tempo: viagens, direção de motocicleta e carro, namoros, etc.
Porém, muitas coisas boas aconteceram depois que fui morar em Uberlândia:
conheci muita gente com a mesma doença, pessoal alto astral, que fazem parte do
grupo: “Juntos venceremos”, onde encontro afago, diversão e verdadeiras
amizades. Outro ganho excelente que tive, já neste ano de 2016, foi a
oportunidade de usufruir dos benefícios da AACD – Associação de Assistência à
Criança Deficiente – que hoje se estende não somente a crianças, mas a diversas
pessoas com deficiências e outras atividades que não somente a reabilitação
física. Lá tenho apoio psicológico, realizo atividades físicas como a
hidroginástica, fisioterapia, fonoaudiologia, dentre outros. Meu deslocamento
até à AACD já considero uma vitória, com o empurrãozinho de minha “anja da
guarda”, a Josefa. Sem a ajuda dela, eu não conseguiria tomar ônibus toda a
semana, afinal as calçadas da cidade estão, em grande parte, em desacordo para
utilização de cadeirantes e o uso diário de táxi não se enquadra ao meu
orçamento mensal, além, é claro, de me auxiliar em trocas de roupas, banhos e
ser bastante pró-ativa, sempre preocupada com minhas necessidades.
Enfim,
hoje eu agradeço imensamente o apoio de minha família – sem meus filhos eu não
teria nem mesmo a adaptação a cadeirantes executada em meu apartamento (minha
filha projetou, meu filho mais velho correu atrás e acompanhou a execução) –
além é claro do apoio incondicional dos
três para que eu não desista nunca. E a simples existência deles e
netos, motiva e amplia minha ambição em viver muito mais e muito melhor sempre.
A eles: meu MUITO OBRIGADA.
Minha
querida e amada mãe, apesar de não estar mais entre nós, me inspira. Ela faz
com que a lembrança da pessoa que foi em vida, e sempre será em meu coração, me
guarneça. Foi uma grande e forte mulher, suportou e enfrentou com vigor uma
diversidade de percalços, sempre esteve ao lado de meu pai, sem saber sua
doença e o que fazer, ela dava seu jeito, cuidava com a força e o amor de
esposa e mãe, chorando às escondidas, nunca esmorecia aos nossos olhos. Quando
a doença acometeu a mim e minha irmã ela foi forte o suficiente para chorar
sozinha e nos confortar, fazer rirmos de quaisquer bobagens diárias para nos
incitar a luta pela alegria de viver. Sua pujança me parecia interminável, sua
assistência para com meus filhos sempre foi irrestrita e, principalmente em
minha fase depressiva, fez toda a diferença para a despertar a dignidade e
honestidade dos três. A Ela: meu MUITO OBRIGADA.
Posso
dizer com certeza que fiz grandes e sinceros amigos do grupo “Juntos
Venceremos”, eles mudaram bastante minha visão de mundo e hoje sorrio, aceito e
me divirto mais. Graças ao convívio com eles, mesmo que virtualmente, estou em
minha fase mais vibrante e esperançosa de minha vida pós sintomas da ataxia! A Josefa
veio para expandir minhas possibilidades de conquista diária nesta luta. A eles:
meu MUITO OBRIGADA.
A
peleja faz parte de meu cotidiano, a adaptação aos novos e contínuos sintomas
também. Cada dia é um dia, cada tombo é um tombo... deles eu levanto e hoje sou
uma mulher muito mais confiante, calejada, sofrida e por vezes com hematomas,
mas otimista e com perspicácia de que JUNTOS VENCEREMOS!
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